Nota de Posicionamento
1. Do Objeto
Em 29 de julho de 2021 foi publicada a Portaria nº 374, de 28 de julho de 2021, do diretor-presidente da Anvisa, nomeando o novo gerente-geral da Gerência-Geral de Registro e Fiscalização de Produtos Fumígenos Derivados ou não do Tabaco – GGTAB. A respeito dessa nomeação a direção da Univisa tece as considerações a seguir.
2. Dos cargos em comissão
Os cargos em comissão, conforme previsto no art. 37, V da Constituição Federal, “destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”, não se confundindo com os cargos efetivos, providos por meio de concurso público, e suas respectivas prerrogativas funcionais.
Para os cargos declarados em lei de livre nomeação e exoneração, como é o caso do CGE-II (gerente-geral), referida nomeação é prerrogativa legítima da autoridade competente.
Historicamente, a alta complexidade técnica presente na atuação da Anvisa demonstrou, na prática, a necessidade de se estabelecer mecanismos que conciliem, de um lado, a relação de confiança e a discricionariedade da autoridade competente para a nomeação e, de outro, o preenchimento de requisitos de formação e experiência de atuação compatíveis com a natureza do cargo.
Nesse sentido, a luta dos servidores pela excelência na gestão e o comprometimento inarredável com a missão da Anvisa, aliados ao amadurecimento institucional da agência, possibilitaram a criação de um instrumento de vanguarda na regulamentação do provimento dos cargos de livre nomeação, materializado na Portaria nº 2.222, de 7 de dezembro de 2016.
Tal portaria em vigor estabelece princípios, diretrizes, etapas e procedimentos para a seleção de ocupantes dos cargos em comissão de gerente-geral, assessor-chefe e gerente. Preserva a discricionariedade da autoridade competente ao mesmo tempo em que propicia um processo mais transparente e permite aferir se o postulante possui competências condizentes com o cargo a ser ocupado.
É verdade que o processo seletivo preconizado pela Portaria nº 2.222, de 2016, não é perfeito. Como qualquer processo, ele não garante a priori como irá se comportar o futuro ocupante do cargo. De igual modo, há sempre o risco de que o procedimento seja utilizado apenas de maneira formal, como subterfúgio para legitimar decisões previamente tomadas. Ainda assim, suas fragilidades não diminuem seu valor como mecanismo de gestão, tampouco revogam sua vigência e a necessidade de sua observância pelas autoridades competentes.
A trajetória profissional de cada servidor certamente aponta para boas e más experiências de gestão por ocupantes de cargos em comissão, sejam estes pertencentes ou não aos quadros da carreira. Desse modo, a preocupação central deve ser, independente da origem, vinculação funcional e das afinidades do postulante, que este esteja à altura do desafio e da responsabilidade que é ocupar uma posição de direção na Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Hoje, o que mais se aproxima desse ideal é a aplicação diligente dos mecanismos previstos na Portaria nº 2.222, de 2016.
3. Do contexto em que se dá a nomeação
A referida nomeação se dá num contexto em que o governo busca publicamente rearticular sua governabilidade a partir de uma aliança mais profunda com o dito “Centrão”. Isso implica a concessão de mais espaços de poder a esse grupo dentro da estrutura do Estado, como a ocupação da Casa Civil por um parlamentar ligado a este grupo.
O dito “Centrão” caracteriza-se como um grupo heterogêneo e difuso de parlamentares, distribuídos em diversos partidos, cujo modo de operação é historicamente conhecido na institucionalidade brasileira. Trata-se de oferecer aos diversos governos uma base de apoio parlamentar – um pacto de governabilidade. Em troca, buscam aumentar sua influência e participação no governo e nas estruturas de Estado, por meio das quais garantem os interesses dos setores políticos e econômicos que representam, ao mesmo tempo em que obtêm os recursos e o poder necessários para perpetuar seu protagonismo nesse arranjo.
Frise-se que esta caracterização não tem por objetivo deslegitimar ou criminalizar a atuação de parlamentares e representantes políticos eleitos. O discurso que criminaliza a política e a identifica automaticamente com a prática de ilícitos faz uma generalização apressada, extremamente prejudicial aos valores democráticos. Afinal, se os representantes eleitos são tidos automaticamente como criminosos, seriam os não-eleitos representantes melhores? Numa sociedade que preza pela democracia e soberania popular, a resposta é certamente negativa.
A preocupação com o crescimento da presença do “Centrão” em cargos da Administração não se dá porque é um grupo composto por políticos, mas sim, pelas íntimas relações que estes mantêm com os interesses de setores econômicos submetidos à regulação estatal, inclusive da saúde, como vêm demonstrando as investigações da CPI da COVID. O que, no contexto da regulação, eleva o risco de captura.
4. Da importância estratégica da GGTAB
É indiscutível que o uso de produtos fumígenos derivados do tabaco é um significativo problema de saúde pública. Dada a complexidade do tema e do poderio econômico da Indústria de Tabaco que, ao longo da história, consumidores veem sendo enganados com produtos sabidamente danosos à saúde e governos manipulados de formas a tornar as políticas públicas favoráveis ao mercado destes produtos.
Ao identificar a relação causal entre tabagismo, câncer e outras doenças, o mundo passou a pensar em medidas de controle e tratamento e foi criada, sob auspícios da Organização Mundial da Saúde, a Convenção Quadro para Controle do Tabaco (CQCT, FCTC em inglês), composta por 181 países, para contra-atacar a indústria de tabagismo em favor da saúde pública.
No Brasil, a Gerência-Geral de Registro e Fiscalização de Produtos Fumígenos Derivados ou não do Tabaco (GGTAB) é responsável por controlar, fiscalizar e avaliar a comercialização e a exposição dos produtos fumígenos, derivados ou não do tabaco, fazendo parte de um grupo de 18 órgãos do Governo Federal para o enfrentamento da Pandemia do Tabagismo. O país é considerado um dos líderes mundiais do controle do tabaco, cujo modelo serve de inspiração e é copiado por muitos outros países. Frequentemente a GGTAB é requisitada a se unir a outras frentes – como a ambiental, econômica, do tratamento e prevenção, da repressão e da educação – tamanho o reconhecimento dos resultados de suas atividades. Dessa forma, fragilizar a GGTAB é enfraquecer a política de controle do tabaco nacional, e consequente a mundial, expondo a população a um produto que traz unicamente riscos e danos à população em detrimento de qualquer benefício.
5. Conclusões
O cenário de instabilidade e mudanças no ambiente político, tende a elevar a pressão sobre os entes regulatórios. Tanto reguladores quanto dirigentes da Anvisa devem redobrar o zelo e a diligência no sentido de proteger o órgão das tentativas de captura.
Nesse contexto, é fundamental que as nomeações para cargos em comissão se deem na mais estrita consonância com os dispositivos normativos e mecanismos de gestão vigentes, nesse caso específico, a Portaria nº 2.222, de 2016, de modo a garantir a transparência, publicidade e possibilidade de accountability. Infelizmente, não é o que se observa na referida nomeação para o cargo de gerente-geral da GGTAB.
As considerações aqui dispostas não realizam nenhum juízo de valor a respeito do nomeado, tampouco o associam a qualquer grupo econômico ou corrente política. Os elementos aqui trazidos têm o objetivo de demonstrar que as alterações no cenário político exigem a máxima vigilância por parte de reguladores e dirigentes da agência. O que inclui a necessidade de aplicação dos procedimentos estabelecidos na Portaria nº 2.222 de 2016 para a nomeação aos cargos de gerente-geral, assessor-chefe e gerente.
Diante de um ambiente de instabilidade política e aumento da pressão sobre os reguladores, a direção da Univisa ratifica seu compromisso com a defesa da missão institucional da Anvisa, bem como com a proteção das prerrogativas dos servidores. Isso inclui acompanhar as nomeações, mas também observar cotidianamente o trabalho desenvolvido pelos gestores.