No dia 12/07/2023, o Jornal “Folha de São Paulo” publicou uma matéria intitulada “Falta de servidores em agências reguladoras pode afetar serviços essenciais, alertam entidades”. Num primeiro momento, a matéria trouxe a informação equivocada de que, ao contrário das outras agências reguladoras a Anvisa não estaria sofrendo com a escassez de servidores. Para essa conclusão, fez-se uma simples comparação entre o quadro de pessoal previsto pela lei instituidora dos cargos efetivos de cada agência e o total de servidores ativos permanentes, segundo os dados disponíveis no Painel Estatístico de Pessoal do Governo Federal.
Embora, no dia 13/07/2023, o Jornal tenha publicado uma errata informando a correção dos dados e indicando o déficit de pessoal de 9,7%, a Univisa – Associação dos Servidores da Anvisa – vem a público alertar que esse cálculo
ainda não reflete a realidade da Agência. A metodologia utilizada na pesquisa deixou de considerar o fato de que grande parte dos servidores da Anvisa, quando da sua criação, migrou do quadro de servidores concursados vindos de outros órgãos já extintos. A carreira desses servidores é regulamentada pela Lei nº 10.882, de 9 de junho de 2004. Isso significa dizer que, ao se aposentar e sair da Anvisa, as vagas ocupadas por esses servidores são extintas. Desse modo, ainda que muitos servidores tenham se aposentado nos últimos tempos, esses postos (extintos) não aparecerão no painel consultado como “vagas desocupadas”. Isso pode criar a falsa impressão de que não há escassez de pessoal na Anvisa. Portanto, a metodologia utilizada para a apresentação dos dados não é a adequada para demonstrar a carência de pessoal na Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
A própria imprensa já noticiou problemas relacionados à escassez de servidores na Anvisa. Vejam, por exemplo, a matéria divulgada no portal O Globo (disponível no link https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2022/07/anvisa-temmenor-numero-de-servidores-em-20-anos.ghtml). Segundo essa matéria, à época (em 2022), a Anvisa já tinha o menor número de servidores em 20 anos. A agência iniciou o ano de 2022 com apenas 1.639 servidores, número inferior ao registrado em 2001, 2 anos após sua criação, quando tinha 1.811 profissionais. O primeiro concurso ocorreu em 2004, e, a partir de 2005, iniciou-se o processo de ingresso dos aprovados. O ápice na quantidade de trabalhadores ocorreu em 2007, quando a agência atingiu 2.360 servidores. Mesmo em seu melhor momento, a quantidade de pessoal era ainda bem menor em comparação com instituições semelhantes pelo mundo: “a americana FDA, por exemplo, conta com cerca de 18 mil funcionários”. Em 2023, o número de servidores da Anvisa diminuiu ainda mais, para 1.576 servidores, o que corresponde a 67% do número de servidores que a Agência possuía em 2007. Apenas esses dados isolados indicariam uma defasagem de 784 trabalhadores.
A Anvisa é responsável pela regulamentação de vacinas, medicamentos de uso humano, alimentos, produtos para saúde, produtos de terapias avançadas, sangue, tecidos, células e órgãos, agrotóxicos, tabaco, laboratórios de saúde pública, insumos farmacêuticos, cosméticos, saneantes, serviços de saúde, controle sanitário e vigilância epidemiológica de portos, aeroportos, fronteiras e recintos alfandegados e foi protagonista na resposta à pandemia da COVID-19. Em um dimensionamento de força de trabalho realizado em 2016, foi apurada a necessidade de 2.367 servidores para que as atividades da agência, previstas em Lei, fossem executadas adequadamente, ou seja, a defasagem atual, considerando esse estudo é de 33,47%. No entanto, deve-se ainda considerar que a demanda de pessoal é crescente, visto que mais de 20% do PIB nacional está sujeito a regulamentação e fiscalização da Anvisa e que o crescimento econômico faz aumentar a estrutura regulatória necessária. Neste sentido, a defasagem deve ser ainda maior, não podendo ser representada apenas por uma subtração entre número de vagas previstas em lei e números de servidores aposentados.
Destaca-se que a falta de servidores terá impacto direto na capacidade de atender às demandas da sociedade e prestar os serviços necessários de maneira correta e eficiente. Sem um número adequado de servidores, ocorrerão atrasos na aprovação de serviços e produtos essenciais para a saúde e poderá ser necessário recorrer, por exemplo, ao fechamento de postos da agência em portos, aeroportos e fronteiras – pontos estratégicos para a saúde pública. Há, ainda, o risco da precarização de vínculos empregatícios, o que pode comprometer a qualidade do trabalho, pois atividades estratégicas do ponto de vista da saúde pública não podem estar à mercê de interesses de grupos políticos.
De modo a evitar esse cenário catastrófico, chamamos a atenção das autoridades responsáveis (executivas e legislativas) para que se atentem à situação do quadro de pessoal da Anvisa e tomem as ações necessárias para a recomposição da sua força de trabalho. Para isso, além da realização de concursos públicos para o preenchimento das vagas existentes, é necessária a criação de novas vagas, por meio de aprovação de projeto de lei prevendo aumento dos cargos efetivos da agência.